EDUCAÇÃO E TURISMO:
REFLEXÕES PARA ELABORAÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO TURÍSTICA

EDUCATION AND TOURISM:
REFLECTIONS FOR "TOURISTIC EDUCATION"

 Ari da Silva Fonseca Filho[1]

Resumo: A proposta do presente artigo visa conceituar a educação turística com base nas publicações referentes à educação em turismo. Como grande parte destas são destinadas ao Ensino Superior, daremos especial atenção ao ensino do turismo no âmbito da Escola Básica - Ensino Fundamental e Médio – identificando o turismo como nova área de conhecimento. Deste modo, apresentaremos a relevância da educação turística para municípios turísticos ou com potencial turístico, considerando-a como elemento-chave no processo de desenvolvimento turístico.

Palavras-Chave: Educação turística. Turismo humano. Escola básica. Disciplina. Conhecimento.

 

Abstract: This article aims to conceptualize touristic education, based on tourism education journals. Most of them are directed to Higher Education, so this article will focus on Basic Education identifying tourism as new field of knowledge. Touristic education relevance as a key element for tourism development in tourist cities or potential ones will be addressed.

Key-Words: Touristic education. Human tourism. Basic school. Subject. Knowledge.

 

Reflexões iniciais para construção do conhecimento turístico

A construção do conhecimento turístico ainda está num processo inicial de sua formação. A variedade de conceitos na área é tão extensa que se formos fazer um levantamento das definições ao longo dos estudos acadêmicos do turismo no Brasil, podemos encontrar três principais tendências, segundo Beni (1998) são definições econômicas, técnicas e holísticas. O autor reconhece que o fenômeno turístico é complexo e praticamente impossível de expressá-lo corretamente; por isso, seu conhecimento é construído dentro das diferentes áreas de estudo e correntes de pensamento. Sendo assim, como pensar e elaborar uma epistemologia do ensino do turismo?

Molina e Rodriguez (2001), no livro: Planejamento Integral do Turismo – um enfoque para América Latina, evidenciam que as explicações de ordem econômica sempre foram marcantes na teoria do turismo, porém estas não dão mais conta da complexidade do fenômeno e, por isso, as conceituações de ordem cultural são as mais abrangentes e completas. E para exemplificar essa idéia destacamos que o presente trabalho será desenvolvido a partir da seguinte afirmação:

[...] o turismo atual deve ser considerado basicamente como produto da cultura, no sentido amplo deste termo. Por isso, as explicações de caráter econômico que são utilizadas para compreender a transcendência do turismo são, evidentemente, insuficientes, ainda que significativas, porque não contemplam e tampouco consideram a diversidade de dimensões do fenômeno (MOLINA; RODRIGUEZ, 2001, p.9).

Com base nessa citação, destacamos aqui, que concebemos o turismo como um produto da cultura, ou seja, a complexidade de seu entendimento é mais bem contemplada pelo enfoque cultural e não apenas com explicações de caráter econômico como ao longo da evolução teórica do turismo foram feitas, já que estas definições são reducionistas e limitadas.

Seguindo essa mesma linha, referente ao caráter cultural, temos a seguinte definição que vem a contribuir para exemplificar essa mudança conceitual do turismo:

[...] muito mais que uma indústria de serviços, é fenômeno com base cultural, com herança histórica, meio ambiente diverso, cartografia natural, relações sociais de hospitalidade, troca de informações interculturais. O somatório que esta dinâmica sócio-cultural gera parte de um fenômeno recheado de objetividade-subjetividade, que vem a ser consumido por milhões de pessoas (MOESCH, 2000, p.20).

A autora utiliza o termo “indústria”, porém é necessário enfatizar que o turismo é, essencialmente, uma “prestação” de serviços e, portanto, deve ser diferenciado do termo indústria que passa a idéia de que a “indústria do turismo” produz de maneira seriada seguindo um determinado padrão, sendo que na realidade o produto turístico, por ser a somatória de serviços, infra-estruturas e equipamentos turísticos, não é produzido aos moldes das indústrias, é intangível e impossível de ser estocado. Em contrapartida, a visão da autora demonstra uma nova tendência para as conceituações de turismo voltadas para seu caráter humano, deixando para o passado sua natureza essencialmente econômica. Essas recentes definições de turismo indicam uma mudança positiva que considera o turismo como um fenômeno social.

O nosso enfoque de estudo é direcionado para o ensino do turismo na escola básica, mais especificamente para o ensino fundamental e médio. Abordar o turismo sob a óptica cultural é tarefa que vai além da preocupação em se efetivar o seu entendimento, mas também de dialogar com outras áreas tradicionais do conhecimento, como a História, Geografia, Artes, Ciências, Biologia e outras, ampliando a percepção de mundo dos educandos e oferecendo novos conhecimentos a serem agregados em sua formação básica.

Moesch (2000), com o livro A produção do saber turístico, inova entre os estudiosos brasileiros ao discutir o tema da epistemologia do turismo, destacando que até então a área vem sendo estudada a partir da perspectiva econômica, pragmática e consumista. A autora argumenta que a produção do conhecimento do turismo está apenas no “saber fazer”, distante do “fazer saber” que é a base das ciências sociais, e complementa que a academia não está integrada e não partilha dos conceitos epistemológicos existentes, gerando uma confusão de terminologias que dificultam na elaboração e evolução teórica das pesquisas em turismo. Ela ainda direciona suas reflexões a partir de uma reflexão sociológica, vendo o turismo como prática social com seus alicerces na cultura.

Panosso Netto (2003), evidencia que a construção de uma epistemologia do turismo deveria ser feita por meio de uma teoria capaz de articular as múltiplas facetas do turismo, e que atendesse desde práticas operacionais – como a hotelaria, eventos, agenciamento, transportes e outros – como também as disciplinas que discutem questões de aspectos sociais, culturais, psicológicos, econômicos, o planejamento turístico, educação patrimonial, ambiental, sociologia e psicologia do turismo.

O autor estabelece em seu estudo problematizações que limitam a criação de uma epistemologia do turismo, tais como: a diversidade de formações dos pesquisadores do turismo (oriundos das mais diferentes áreas das ciências humanas) que olham o fenômeno apenas do ponto de vista de sua formação acadêmica, ocasionando limitações na interpretação e parcialidade no conhecimento produzido; evidencia a necessidade de articulação entre turismo e filosofia, pois segundo o autor, esta última considera o turismo insignificante e, por isso, há dificuldade de se constituir uma “ciência turística”. Ele ainda sugere que para se “fazer” uma epistemologia do turismo, deve-se questionar a luz da razão de determinada pesquisa, não apenas pelos resultados demonstráveis, mas principalmente pelas bases teóricas que fundamentam a criação da metodologia que foi aplicada no referido estudo. Assim, a epistemologia do turismo promoveria uma revisão sistemática do que é legítimo no conhecimento do turismo e porque não há concordância sobre o “mapa” ou os limites dos estudos turísticos, e a epistemologia pode ajudar para que os limites sejam estabelecidos (PANOSSO NETTO, 2003).

Assim sendo, a criação de uma epistemologia do turismo constituiria na delimitação do conhecimento turístico num mapa, onde se explicitaria na rede de significações o que é relevante para o seu entendimento. Fazer a escolha correta da escala, tendo a capacidade de sintetizar e, didaticamente, definir o que se deve ser compreendido (MACHADO, 2000). Com a epistemologia se buscaria verificar o que é válido no conhecimento do fenômeno turístico para que possamos entender a sua razão de ser e para nos aproximarmos de sua essência.

Se esta discussão ainda não chegou a um acordo comum no meio acadêmico, mais complexa ela fica se pensarmos no ensino do turismo na escola básica, já que as publicações atuais contemplam em especial o ensino técnico e superior. A idéia de se estruturar um mapa de relevância é bastante apropriada para que possamos delimitar e estabelecer quais conteúdos devem ser abordados no ensino fundamental e médio. Para tanto, devemos levar em consideração que os conteúdos devem ser construídos a partir da realidade dos educandos e projetados para atender as carências na formação dos mesmos e assim trabalhar os conhecimentos da área com o intuito de que haja uma compreensão da atividade e que esta esteja relacionada com as demais disciplinas, explorando o caráter multidisciplinar do turismo.

Ansarah (2002, p.23) afirma que:

A educação em turismo deve estar direcionada para uma reflexão multidisciplinar e para o trabalho em equipe, contemplando contextos multiculturais em que a criatividade combine o saber tradicional ou local e o conhecimento aplicado da ciência avançada e da tecnologia.

Com isso, devido a esse caráter multidisciplinar, acreditamos que a educação em turismo pode ser desenvolvida de maneira que possa abordar assuntos como cidadania, alteridade, sociabilidade, cultura, educação ambiental e patrimonial; que destacamos como relevantes para a formação dos educandos e que, muitas vezes, devido ao tempo limitado e à necessidade de cumprir os conteúdos programáticos das disciplinas tradicionais, esses temas são pouco destacados.

Machado (2000, p. 43), afirma que os projetos e valores são ingredientes fundamentais para a educação e que esta deve ser direcionada para a formação de cidadãos, assim destaca que:

Educar para a cidadania significa prover os indivíduos de instrumentos para a plena realização desta participação motivada e competente, desta simbiose entre interesses pessoais e sociais, desta disposição para sentir em si as dores do mundo.

Em outras palavras, educar visando formar cidadãos críticos e participativos é uma maneira de envolver os educandos nos acontecimentos cotidianos, despertando uma postura ativa e engajada sobre as questões sociais. A educação turística vem a somar com esse movimento, já que por meio desta apresentamos a importância de se preservar valores referentes à cultura e ao meio ambiente natural. Defendemos uma educação turística preocupada com a formação dos jovens, visando fornecer conhecimentos que agreguem e, conseqüentemente, complementem a formação básica dos educandos.

E, por isso, discutimos a necessidade de se estabelecer uma epistemologia do turismo, por considerarmos esta como um grande avanço para nos aproximarmos de uma “ciência turística”, com a formação de um corpus teórico sólido capaz de auxiliar na evolução de teorias, constituição de novas e ainda sustentar o ensino de qualidade do turismo nos diversos âmbitos da educação. Com isso, a idéia de se educar para o turismo no âmbito da escola básica não está centrada só na formação de jovens profissionais do turismo, mas enfatizamos que o ensino do turismo pode ser uma prática pedagógica direcionada para complementar a formação dos educandos, visando o preparo destes para um mundo multicultural e globalizado.

Múltiplos olhares sobre a Educação em Turismo

A literatura específica sobre a educação turística ainda é muito restrita, principalmente se formos pesquisar sobre a temática desenvolvida na educação formal, no âmbito do ensino fundamental e médio, como é a nossa proposta de pesquisa. Com o intuito de nos aproximarmos de uma teoria sobre a educação turística, consideramos alguns trabalhos de autores e instituições que mencionam o ensino do turismo. Dentre estes, podemos perceber que a educação para o turismo é discutida tendo em vista a preocupação com os impactos do turismo sobre o meio ambiente natural, sócio-cultural, sobre a economia e também para tecer discursos em prol da profissionalização da área.

Assim, notamos que grande parte da produção teórica está direcionada para o ensino superior ou profissionalizante como faz a Organização Mundial do Turismo (OMT, 1995), com a obra Educando educadores em turismo, propõe-se a orientar a atuação dos educadores no ensino do turismo, apresentando o setor de turismo e como deve ser desenvolvida essa educação, tendo como objetivo a qualidade da educação para o turismo nos campos da educação técnica e superior, formando profissionais para atuar no mercado.

A área de Turismo e Hospitalidade é definida pelas Referências Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico como sendo a hotelaria, restauração e turismo, gastronomia, turismo de negócios e eventos, lazer e recreação, viagens, “trade” turístico (BRASIL, 2000). O referido documento faz uma grande mistura de elementos que representam a área do turismo, apontando suas segmentações de mercado e tendências marcantes da contemporaneidade como o caso do turismo de negócios, eventos e alimentos e bebidas. O âmbito destacado, ensino técnico e profissionalizante, é direcionado para o mercado de trabalho, cujos egressos desses cursos ocuparão cargos operacionais do mercado turístico, por isso, como exigências profissionais destacam a mobilidade; disponibilidade; adaptabilidade; capacidade de comunicação; integração em equipe e animação (Ibid.).

Em virtude da crescente oferta de cursos superiores de turismo no Brasil, houve interesse por parte do mercado editorial e de autores da área, em publicar livros e textos relacionados com a questão da profissionalização do turismo e da formação no âmbito do Ensino Superior, dentre estes os que mais se destacam são: Trigo (2000) Rejowski (1996); Ansarah (2002).

O primeiro autor, com o texto A importância da educação para o turismo, faz uma retrospectiva do desenvolvimento de estudos organizados do turismo no Brasil, discute a carreira recente e o perfil profissional da área do turismo, em especial o de formação no ensino superior, além de problematizar a área educacional e a qualidade dos cursos superiores em turismo.

Rejowski (1996), direciona seus estudos para a temática da pesquisa e produção científica em turismo no Brasil, afirmando que a evolução teórica na área está estritamente ligada à pesquisa científica elaborada no ensino superior em Turismo. No livro Turismo – interfaces, desafios e incertezas, cuja organização é da referida autora em parceria com Barretto, lança um artigo que atualiza suas produções sobre o ensino de graduação em turismo de 1970 a 2000. (BARRETTO; REJOWSKI, 2001)

Outra autora que segue a mesma linha é Ansarah (2002), com o livro Formação e capacitação do profissional em turismo e hotelaria, propõe-se a discursar sobre a educação no setor turístico, em especial a do ensino superior, devido à crescente oferta de cursos abertos em várias regiões brasileiras, propondo-se a estabelecer uma reflexão sobre a educação e a formação de Bacharéis e Tecnólogos em Turismo e Hotelaria.

Fica claro então que esses autores estão direcionando a questão da educação para o turismo destinada ao ensino profissionalizante e superior, vislumbrando uma seriedade em pesquisas, planejamentos e desenvolvimento do turismo no Brasil, porém não encontramos entre eles referência alguma à escola básica, passando a idéia de que esta fica alheia ao processo de desenvolvimento turístico.

Fernández Fúster (1991), cuja primeira publicação de seu livro Introducción a la teoría y técnica del turismo foi em 1975, ao se referir ao ensino do turismo considera duas possíveis práticas: a de formação profissional para atender a crescente oferta de postos de trabalho no setor de viagens e turismo (educação esta proporcionada pelo ensino profissionalizante e superior); e o ensino do turismo como uma prática educativa que pode influenciar positivamente na formação da personalidade do indivíduo, que não pretende formar profissionais e sim proporcionar aos alunos uma compreensão do fenômeno turístico e atitudes responsáveis frente a ele.

Este ensino pode se iniciar na formação escolar em seu grau mais elementar, por meio de aulas sobre a matéria e cartilhas escolares turísticas (que consideramos como educação formal), até mesmo ser desenvolvido para formação de uma consciência turística e cidadã veiculadas (por meio da educação não-formal) em campanhas de rádio, imprensa escrita e televisiva, etc (FERNÁNDEZ FÚSTER, 1991). Nesta segunda consideração, podemos identificar que há uma menção a uma educação turística a ser difundida em municípios, em que o turismo já se encontra consolidado ou em desenvolvimento, com o objetivo de informar e formar consciências cidadãs e turísticas, porém a proposta não foi desenvolvida pelo autor e detalhada mais profundamente para que pudéssemos discutir em nosso trabalho.

Outra manifestação sobre educação para o turismo é referente ao discurso centrado no bojo da educação ambiental, ou seja, com a preocupação sobre os impactos negativos da atividade turística em áreas naturais, com este objetivo são criados programas não-formais de educação ambiental como forma de educar turistas e os autóctones como forma de salvaguardar os recursos naturais, físicos e turísticos de determinada localidade (RUSCHMANN, 1997). A educação para o turismo defendida pela autora, seria uma forma de se auxiliar e garantir o sucesso de um planejamento turístico sustentável, formando uma consciência turística junto aos moradores locais e turistas, tornando-os responsáveis por uma atividade turística controlada e de baixo impacto ao meio ambiente natural e à cultura local.

Tendo o mesmo enfoque de análise de uma educação para o turismo que tem a finalidade de formar turistas e autóctones responsáveis pelo meio ambiente natural e cultural, identificamos no trabalho de Krippendorf (2000), no livro Sociologia do Turismo, o autor discute o papel da atividade turística em tempos de uma sociedade industrial, tecnológica, marcada pelo consumismo, inclusive o consumo por turismo. Em meio a muitas críticas sobre os impactos negativos das viagens, o autor esboça a teoria de um turismo mais humano, que é uma prática que visa humanizar as viagens por meio da ação de se viajar conscientemente. Para tal feito é necessário que haja uma modificação nas consciências e comportamentos dos turistas e autóctones. Deve-se conciliar as necessidades e os interesses dos turistas e da população local, sendo que esta, por ser a anfitriã, tem de ser atendida prioritariamente, desse modo:

Os habitantes das regiões turísticas mostrariam prudência se tomassem mais consciência de seu próprio valor e se permitissem aos turistas maior acesso às riquezas da própria cultura (KRIPPENDORF, 2000, p.158).

Esse pensamento deixa claro que a população anfitriã deve ser envolvida no processo de desenvolvimento turístico, a esta fica incumbida a tarefa de se profissionalizar para atuar no mercado turístico, bem como ofertar um produto turístico com identidade, autenticidade, que seja valorizado pelos autóctones e para que estes sejam capazes de promover comportamentos responsáveis que servirão de exemplo aos turistas que visitam a localidade. O autor também inova ao levantar a tese para esboçar um turismo humano e descrever como seria a Escola do Turismo Humano, cuja finalidade estaria em fomentar práticas honestas e responsáveis sobre planejamento, organização e comercialização de viagens. Os sujeitos responsáveis pelo turismo deveriam receber uma formação humanística que difunde informações coerentes sobre destinos turísticos, para respeitar às populações locais e o meio ambiente. Em outras palavras: “os cursos de turismo são por demais especializados no momento. Caberia conferir aos mesmos uma nova dimensão: a de uma ética do turismo” (KRIPPENDORF, 2000, p.176).

Essa prática estaria centrada no ser humano e no meio ambiente, sem que haja sobre posição entre ambos. Os cursos de formação na área baseiam-se exclusivamente no saber-fazer manual, técnico e comercial, características estas que limitam a formação humana por formar especialistas. Assim,

Conceder ao turismo uma face mais humana é despertar e explorar plenamente o enorme potencial que permanece adormecido em cada indivíduo. Essa tarefa, extremamente útil mas ao mesmo tempo difícil de colocar em prática, é da alçada de uma animação bem compreendida, isto é, definida como uma educação para a viagem (KRIPPENDORF, 2000, p.177).   

Esse autor acredita que por meio dessa educação para a viagem o turista terá contato com sua personalidade, com outros turistas e estabelecerá relações com os habitantes e localidade receptora. A contribuição desse trabalho à nossa proposta é a de que a concepção de educação turística não está limitada aos munícipes, ou seja, a prática de se educar para a viagem é destinada tanto para os autóctones, que devem conhecer os impactos negativos do turismo, quanto para os turistas que devem se preparar e se educar para a viagem.

O ser humano não recebe educação relativa à prática do turismo, ou seja, não há um aprendizado que ensine a viajar e, por isso, este fato é identificado como uma grave lacuna “responsável pelos inúmeros erros de comportamento que cometemos nas férias, assim como nossas decepções e incapacidades de desfrutar plenamente da viagem” (KRIPPENDORF, 2000, p.182).

Os erros de comportamento são ocasionados pela falta de conhecimentos prévios sobre as características do local e da população visitados, sendo esta muitas vezes vista pelo turista como meros empregados. Essa idéia do autor não é a de transformar a viagem numa grande escola, mas as férias podem ser um processo de aprendizagem, ou seja, ao realizar uma viagem a turismo, o contato com um distinto universo cultural pode servir como uma fonte rica para aprendizagem. A cidade, ou uma localidade qualquer acaba proporcionando conhecimentos de modo indireto, sem que se tenha a educação como propósito da viagem.

Cabe ainda destacarmos que na parte final do trabalho do referido autor, ele propõe uma campanha intitulada: “Aprender a viajar”, proposta esta a ser vinculada nas escolas, principalmente nas de ensino público, da escola primária até à Universidade. O objetivo é o de tornar o aluno apto para ser turista e com isso:

[...] aprenderá a olhar, a compreender e a respeitar a natureza e o modo de vida do próximo. Com a Geografia e a História, descobrirá o espaço e o palco dos acontecimentos. Deverá iniciar-se com pequenas viagens, a fim de inculcar no aluno a noção do espaço e do tempo, e despertar seu interesse pela ecologia, pela biologia e muitas outras áreas do conhecimento (KRIPPENDORF, 2000, p.183).

Aprendizado de línguas estrangeiras, economia, sociologia e cultura de regiões emissivas e receptivas de turistas também deverão compor esta educação. Sendo assim, o autor acredita que se iniciar esta prática educativa desde a infância para o exercício do papel de turista, haverá um progresso dessa civilização das férias e das viagens. E para maior alcance e conseqüente sucesso dessa campanha, discute a inserção dessa educação para as viagens em instituições de ensino permanentes, nas igrejas, partidos políticos, sindicatos, mídia, organismos oficiais de turismo, setores comerciais, prestadores de serviços turísticos, dentre outros.  

Tendo em vista as considerações anteriores, podemos afirmar que a relação entre o turismo e a educação é muito próxima, segundo Azevedo (1997), esta afirmação é comprovada se considerarmos a respeito desta relação fatores como a interdisciplinaridade que está presente nas duas áreas; por haver no turismo uma correlação entre o espaço, a cultura e a educação; pelo turismo apropriar-se da educação ambiental, servindo esta como uma prática passível de ser aplicada em áreas turísticas ou com potencial turístico; e pelo turismo ser uma atividade de constante aprendizagem, podendo ser caracterizada como um “[...] processo essencialmente pedagógico. Seja na percepção de outras realidades e diferentes estilos de vida, na utilização do tempo ocioso; na preservação de bens [...]” (AZEVEDO, 1997, p.147).

A colocação da autora que apresenta o turismo como uma forma de aprendizagem é plausível, pois ao visitar uma localidade o educando estabelece contato com uma nova realidade, cultura, geografia, história que serão conhecimentos assimilados pelas vivências proporcionadas pela viagem, contribuindo desta forma para a ampliação de seu universo cultural e percepção de mundo.

Nessa mesma linha, os autores Andriolo e Faustino (1997) esboçam uma simplificada definição de turismo pedagógico, sendo este compreendido pelos autores como aquele que serve às escolas em suas atividades educativas que envolvem as viagens, cuja finalidade é o conhecimento, mesmo que nesta prática haja momentos de lazer. Com esta prática torna-se possível estimular nos estudantes uma sensibilização, compreensão e respeito pelos monumentos e patrimônios culturais.

Especificamente sobre o ensino do turismo destinado à escola básica, encontramos o trabalho do geógrafo Portuguez (2001), com seu livro Consumo e espaço – turismo, lazer e outros temas, que dedica dois breves capítulos ao turismo como conteúdo da educação escolar, ou seja, trata da inserção do turismo como conteúdo para o ensino fundamental e médio[2].

Devido a sua formação em Geografia, ele analisa a inserção do turismo sob a óptica desta disciplina, entendendo o turismo como um conteúdo a ser trabalhado em sala de aula como um tema transversal. Afirma que os Geógrafos educadores ainda estão despreparados para desenvolver um trabalho crítico das repercussões sociais e espaciais do turismo (PORTUGUEZ, 2001). E complementa argüindo que os livros didáticos e paradidáticos de Geografia disponíveis no mercado brasileiro ignoram o fato do turismo ser elemento (re) produtor de espaço, porém, hoje já encontramos livros didáticos de Geografia que possuem conteúdos de turismo[3]. 

Na última parte de seu texto, destaca a abordagem do turismo pela educação escolar em tempos de transversalidade curricular e a possibilidade de trabalhar tal temática no ensino. Diante de tais argumentações, o autor elaborou um estudo de caso com um grupo de professores de Geografia que ainda possuíam vínculo com a graduação em Geografia na Universidade Federal do Espírito Santo. O estudo consiste basicamente na aplicação de questionários para levantar alguns pontos com a intenção de estimular discussões acerca da abordagem feita nas escolas sobre o fenômeno turístico, cuja produção está mais preocupada em criticar de modo negativo a inserção do turismo na educação básica, do que propor alternativas para esta realidade presente em algumas escolas brasileiras.

Como nossa preocupação é de estudar o fenômeno da inserção do ensino do turismo na escola básica, fica aqui expressa a necessidade de se conceituar a Educação Turística, que pode ser compreendida como um processo educativo cuja finalidade é de difundir conhecimentos sobre a atividade turística em cidades turísticas ou com potencial turístico. Visa atender munícipes e turistas, sendo que no primeiro caso ela pode ser realizada estrategicamente pela (REBELO, 1998):

·        Educação formal: turismo desenvolvido de forma institucionalizada, inserido como um tema transversal ou disciplina da Escola Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio); ou como curso regular do Ensino Profissionalizante e Ensino Superior (Bacharelado e Tecnológicos).

·        Educação não-formal: por meio de palestras, encontros, cursos livres, propagandas, semanas promovidas por empresas de turismo, prefeituras, organizações não-governamentais, associações comerciais, veículos de comunicação, igreja, dentre outros; com a preocupação de informar e preparar a população para o turismo;

·        Educação Informal: aquela realizada pela leitura, participação, observação e influências do cotidiano turístico, mudanças de atitudes na convivência com o fenômeno turístico.

O objetivo central da educação turística é educar os munícipes e turistas para o desenvolvimento sustentável do turismo[4], contribuindo para que todos desenvolvam comportamentos responsáveis e coerentes diante da atividade turística. Ela não objetiva apenas formar pessoas que recebam bem turistas, mas também cidadãos que valorizem e protejam os patrimônios culturais e naturais da localidade. 

Enfatizamos que os benefícios dessa educação são múltiplos para a população residente e para os turistas, pois ambos ganham mais conhecimentos sobre a cidade, geografia, história, cultura e turismo locais; diversificam-se os empregos e novos são gerados; envolve mais a comunidade na atividade turística. Os turistas que visitam a localidade recebem atendimento de qualidade pelos serviços prestados; têm acesso a mais conhecimentos sobre a cultura, história e geografia local; respeitam e valorizam a localidade por seguir os exemplos dos citadinos.

De acordo com as formas de promoção dessa educação turística na comunidade, seja pela educação formal, não-formal ou informal, podemos acrescentar outros objetivos mais específicos, tais como formar mão-de-obra especializada, planejadores turísticos, multiplicadores locais, monitores, guias, com o intuito de envolver a comunidade no processo de desenvolvimento do turismo. Segundo Rebelo (1998), a ação de promover a Educação Turística deve partir dos municípios para gerar:

Tal estado de educação nos munícipes a ponto de não só pensarem a respeito do turismo no município, mas sentirem-se tanto agentes como sujeitos do seu desenvolvimento turístico e mais, de agirem com a maior eficiência possível em função da complexidade de seus pensamentos (conhecimentos) e de quanto internalizaram a questão da educação turística, rumo à caracterização de novos valores ou mudança de vida (REBELO, 1998, p.9).

O munícipe estará educado “turisticamente” quando seus pensamentos, sentimentos e atitudes estiverem conectados com a realidade ou clima local, ou seja, a autora afirma que o clima local pode ser influenciado pelo aspecto psicológico porque as vivências e comportamentos dos autóctones estão sujeitos às mudanças promovidas pelo turismo; pelo aspecto sócio-cultural nas relações, observações no cotidiano turístico, a presença de diversos grupos culturais; pelo aspecto econômico porque a atividade turística pode gerar serviços e estes são condicionados pelo desenvolvimento turístico da localidade; e por fim, pelo aspecto ambiental, já que a preservação do meio ambiente cultural e natural é atrativo para o turismo.

 Referente aos aspectos econômicos do turismo, a educação turística em municípios turísticos ou com potencial turístico é de extrema importância, devido ao crescimento de municípios que dependem parcialmente ou completamente do turismo como atividade econômica geradora de renda. Rebelo (1998, p. 15) argumenta que os municípios que:

Dependem exclusivamente do período sazonal da atividade turística, chega a ser senso comum trabalhar três meses para viver o resto do ano, gerando conseqüências de exploração, marginalização, prostituição, invasão, privação de liberdade, rejeição, imperialismo, subserviência e transladação cultural. São efeitos conjunturais da atividade turística denominados de impactos.

E diante desses impactos negativos que a atividade turística pode acarretar ao município, justificamos a necessidade de se desenvolver a educação turística no sentido de informar e envolver os autóctones no processo de desenvolvimento turístico, seja na proteção do patrimônio cultural local ou mesmo na oferta de cursos que visem à profissionalização da comunidade para atender turistas. Ressaltamos que o nosso estudo é sobre a Educação Turística institucionalizada, inserida na educação formal, mais especificamente no ensino fundamental e médio. A autora afirma que esta inserção pode ocorrer no âmbito do ensino fundamental, desenvolvida como atividade ou inserida nas áreas de estudo e como disciplina de introdução ao turismo. No ensino médio pode ser trabalhada como disciplina ou curso profissionalizante, pós-médio. Com isso,

A educação formal tem possibilidade de formar consciências turísticas, mão-de-obra para serviços turísticos e especialistas, através da escola ou com apoio de outras instituições que colaboram nos cursos e níveis oficiais de ensino no país (REBELO, 1998, p.21).

A inserção da educação turística no ensino fundamental e médio seja como tema transversal ou como disciplina tem possibilidades de contribuir positivamente no que se diz respeito a oferecer conhecimentos relativos ao turismo, trazendo para a sala de aula assuntos presentes na realidade vivida pelos educandos que residem num município turístico e, ainda, relacioná-los com questões sobre economia, sociologia, antropologia, ecologia e outras que são afetadas pelos impactos do turismo.   

Rebelo (1998), considera que a inserção da educação turística na educação formal ocorre devido ao desejo institucional da escola ou município em formar personalidades turísticas por meio de cursos. Também menciona que estabelecer o diálogo entre a educação e o turismo é meio de se revitalizar a educação no município, “contextualizando” a educação com a temática do turismo, em que o ensino é vinculado à realidade turística da localidade, entendendo este processo como uma contextualização temática. Assim, o educando:

Terá como integrar os conhecimentos do cotidiano com o escolar e vice-versa; conscientizar-se do fenômeno turístico e convergir, quem sabe, suas atitudes conforme o interesse e necessidade para a busca de qualificação profissional; conquistar trabalho que o realize, com a formação escolar recebida; participar da vida organizada da comunidade e usufruir da infra-estrutura turística do município (REBELO, 1998, p.30).

É importante deixar claro que se estamos nos referindo à educação básica, os objetivos dessa educação turística devem auxiliar no processo de conscientização turística dos educandos, com o intuito de ampliar conhecimentos sobre turismo que estão, por sua vez, diretamente vinculados aos conhecimentos sobre cultura e, por isso, essa educação é capaz de formar jovens responsáveis por proteger, conservar, valorizar e promover a cultura e os patrimônios culturais do município, estimulando desta maneira um sentimento de pertencimento dos jovens ao local onde vivem. Por meio da educação turística, esse processo educativo confere ao município a valorização da identidade local, já que neste trabalho com a comunidade escolar é possível manter referências locais, estaduais e nacionais.

Portuguez (2001), questiona os efeitos positivos de programas de educação para o turismo ou de conscientização turística, pois argumenta que disciplinas com tal temática contribuem pouco para o enriquecimento do referencial crítico dos educandos. Afirma que esses programas são organizados para ensinar os moradores de localidades turísticas a receberem bem o turista, visando apenas o retorno financeiro da atividade.

Da maneira como é colocada pelo autor, sem haver uma preocupação em exemplificar situações que embasem suas críticas, percebemos que sua argumentação pode ser baseada em ações típicas de gestões públicas em que a atividade turística é promovida a qualquer custo, tendo em vista apenas o retorno financeiro imediato, que, por falta de conhecimentos técnicos e ausência de planejamento, desconsideram todos os impactos negativos do turismo em busca de desenvolvimento em curto prazo. Porém, como o autor não apresenta nenhum caso, nenhuma referência que embase sua argumentação, consideramos tal feito como insustentável por seu discurso ficar no plano do senso comum.

Segue suas críticas referentes a disciplinarização do turismo com o seguinte pensamento:

[...] no nosso entendimento, uma nova disciplina passa a exigir dos alunos a ‘neurose’ da tradicional preocupação com a nota e com a freqüência obrigatória, como pressupostos para aprovação. As notas exemplares dos alunos exemplares não significam, nem de longe, que eles estejam conscientizados e que a cidadania foi estimulada. Assim, entendemos que o disciplinamento da consciência nada mais é do que a subversão da liberdade de pensar em uma caminhada que pode perfeitamente dispensar as cartilhas e provas [...] (PORTUGUEZ, 2001, p.121).

O autor tem uma postura radical em relação à inserção do turismo no ensino como disciplina. O processo de disciplinarização é complexo e questionável devido a fatores como a fragmentação do conhecimento; por exigir docentes atualizados em relação aos conhecimentos específicos de turismo; carga de obrigatoriedade que pode inibir o processo de conscientização, criatividade e criticidade em relação ao estudo do turismo.

Porém, identificamos a validade deste processo educativo no sentido de se questionar os fatores que incentivaram a aparição de tal fenômeno, já que seu surgimento pode ser ocasionado pela existência de uma demanda oriunda da realidade local onde está inserida a instituição escolar, ou seja, de uma cidade turística ou em desenvolvimento turístico; para atender os interesses econômicos de órgãos públicos e / ou privados da localidade. Seja qual for o motivo dessa inserção, podemos afirmar que é uma prática que reflete as políticas contemporâneas de educação, sendo esta legal por existir a lei nº 9394/96, que possibilita a diversificação do currículo com temas emergentes e locais. O processo de disciplinarização do turismo é reflexo da “contextualização do ensino” (REBELO, 1998)[5] com um tema que é comum em municípios turísticos ou em desenvolvimento.

A educação turística ofertada aos educandos é um modo de possibilitar aos jovens uma participação no desenvolvimento turístico do município; é formar cidadãos que atuarão como agentes que difundirão conhecimentos turísticos pela comunidade e esta será capaz de identificar se o turismo é uma boa alternativa econômica ou mesmo elemento positivo que promova a preservação e valorização do meio ambiente cultural e natural. 

Se a argumentação de Portuguez (2001) considera a educação como punitiva e que a obrigatoriedade impede a criatividade, cidadania, criticidade e liberdade de pensar do aluno, é preciso considerar as origens da proposta de educação turística. Caso ela tenha partido da administração pública municipal, ou da sociedade, ou da própria comunidade escolar ou das relações desenvolvidas entre todos estes sujeitos, é necessário conhecer o desenvolvimento da proposta, seus objetivos, metodologias, referências bibliográficas, utilização ou não de materiais didáticos / cartilhas, formas avaliativas e ainda verificar as contribuições deste ensino para os educandos e como ele repercute na comunidade local.

Contudo, para exemplificar algumas propostas, apresentaremos a seguir alguns exemplos de programas e projetos que tiveram maior repercussão no território nacional. São propostas para se trabalhar com estudantes os conhecimentos referentes ao turismo, promovendo assim o setor de viagens, por meio da divulgação dos potenciais e atrativos turísticos do Brasil, essas propostas também ajudam a evidenciar o desenvolvimento dessa recente área profissional que é o turismo.

Programas de educação para o Turismo no âmbito da Escola Básica

O programa Iniciação Escolar para o Turismo foi criado em 1993, pelo Instituto Brasileiro de Turismo – EMBRATUR em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC, cuja produção resultou numa “cartilha” acompanhada de um vídeo. O objetivo geral era mostrar os possíveis benefícios da atividade turística a toda comunidade, quando realizado de maneira profissional. A proposta visava democratizar o turismo com o intuito de apresentá-lo como uma prática acessível a todas as classes sociais e tinha como objetivos específicos: explicar o turismo, apresentando seus benefícios; mostrar que pode ser uma atividade acessível às classes de menor poder aquisitivo e distinguir viagem barata de viagem desorganizada; identificar o turismo como negócio pela geração de receita e emprego, bem como a identificação de seus benefícios sócio-econômicos; explicar sobre a necessidade de profissionalismo e identificar os cuidados que a comunidade deve ter em relação ao seu produto turístico (BRASIL, 1992).

Juntamente com o lançamento, em 1994, do Programa Nacional de Municipalização do Turismo (Portaria Embratur nº 130 de 30/03/1994), houve o lançamento da proposta de criação de uma disciplina de iniciação ao estudo do turismo foi considerada como relevante para o bom desempenho do setor turístico no âmbito municipal e, por isso, essa disciplina seria incluída, preferencialmente, nos currículos da escola básica, com o intuito de “preparar a parcela mais jovem da população receptora para conviver bem com o turista, bem como fazê-la acreditar que do turismo ela poderia vir a tirar seu sustento” (PORTUGUEZ, 2001, pp. 125-126). Assim, para o município turístico se integrar ao PNMT para receber o “Selo de Municipalização”, deveria desenvolver o Programa de Iniciação Escolar para o Turismo.

Vale destacar que por mais que a proposta visasse apresentar o turismo como atividade acessível a todos, a preocupação era de destacar os benefícios do setor como fator gerador de receitas e empregos para a comunidade que recebe os turistas, além de identificar os cuidados que a comunidade deve ter em relação ao seu “produto turístico”. Baseando-nos nesses objetivos propostos, podemos pensar que os alunos que se enquadram como público-alvo do material correspondem àqueles que compõem à faixa de menor poder aquisitivo, já que a preocupação é de demonstrar que a atividade é acessível e que uma viagem pode ser barata mesmo sendo organizada.

Ao centrar-se na preocupação de apresentar o setor de Turismo como fator gerador de receitas e empregos, sendo esse capaz de proporcionar benefícios às comunidades, o programa direciona o foco do discurso para seu caráter econômico, influenciando os jovens na escolha de profissões ligadas ao turismo, já que estes são identificados como carentes de perspectivas profissionais.

Outro programa é o Embarque Nessa: Turismo, Patrimônio e Cidadania, lançado em 2001, foi uma reformulação do anterior e vinculado ao Programa Nacional de Municipalização do Turismo – PNMT. Destinava-se aos alunos da sexta série do ensino fundamental e o material era composto por uma apostila para o professor, outra para os alunos e um vídeo institucional. A proposta destacava que não era a intenção criar uma disciplina de Turismo, mas trabalhar este de forma multidisciplinar com o intuito de envolver todos os professores da escola. Tarefa esta extremamente complexa, já que o turismo pode até ser trabalhado como um tema transversal, mas ele é mais facilmente abordado pelas disciplinas com mais afinidade e interesse, como é o caso da Geografia e História.

Segundo o Instituto Brasileiro de Turismo – EMBRATUR (BRASIL, 1999), os objetivos estabelecidos pelo programa são: conscientizar sobre a importância sócio-econômica do turismo enfatizando os benefícios para comunidade, empresários e poder público; sensibilizar para a valorização e proteção do patrimônio natural e cultural do país; mostrar aos jovens que o turismo é uma atividade geradora de empregos, motivando-os a optar por profissões nesse setor; preparar os estudantes para serem agentes multiplicadores do turismo na comunidade e incentivar o respeito ao turista.

Pelos objetivos estabelecidos, fica notório que este programa segue a mesma linha do anterior (Iniciação escolar para o Turismo), no que se diz respeito à preocupação em destacar a importância sócio-econômica do turismo por meio de seus benefícios, geração de empregos, renda, tendo como um dos objetivos motivar os jovens a optar por profissões no setor de viagens e turismo. O projeto agrega também a proposta de sensibilizar os jovens para a valorização do patrimônio natural e cultural do país, com o intuito de destacar os atrativos e o potencial turístico do Brasil. Porém, com um discurso economicista, comprovado a partir das próprias palavras do então presidente da EMBRATUR, este escreve na apresentação do material o seguinte comunicado:

Caro aluno, este livro vai abrir para você as portas de um novo mundo, repleto de surpresas, de aventuras, de prazeres. Conheça o Brasil, encante-se com hábitos diferentes e sua rica diversidade cultural. Mas aprenda também que o turismo é uma atividade que oferece muitos benefícios para todos. Simplesmente porque, além de diversão, o turismo cria novas oportunidades de trabalho e garante bons salários, melhorando a vida das pessoas (BRASIL, 1999, p.3).

Assim, fica comprovado o posicionamento e a intenção do programa por parte dos gestores, com a idéia de criar novas oportunidades de emprego, bons salários com o intuito de melhorar a qualidade de vida da população.

A educação turística em âmbito nacional também é ofertada pelo Programa Aprendiz de Turismo da Academia de Viagens e Turismo (AVT-Br), sendo este uma referência relevante ao nosso estudo por não ter sua origem vinculada a nenhuma proposta de governo, diferente dos programas relatados anteriormente[6]. A AVT-BR nasceu de um projeto piloto (1993-1995) e, desde 1996, está sediada no Laboratório de Ensino e Material Didático – LEMADI, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. No período de 1995 a 2005, os programas da AVT-BR foram desenvolvidos em mais de vinte cidades como por exemplo: Águas de São Pedro-SP, Caraguatatuba-SP, Guarujá-SP, Ilha Grande-RJ, Paraty-RJ, Pirapora-SP, São José dos Campos-SP, São Paulo-SP, São Vicente-SP, Santana do Parnaíba-SP, Una-BA e outras. São mais de seis mil alunos formados, de quarenta e oito escolas públicas do Brasil (AVT, 2001).

Há oferta de cursos livres e gratuitos, para alunos e professores, na área de viagens e turismo, que podem ser implantados para complementar o currículo regular da escola básica da rede pública ou mesmo para atender profissionais com o intuito de qualificar e aprofundar seus conhecimentos. Os cursos da AVT-BR têm uma constante preocupação com o direcionamento dos estudantes ao mercado de trabalho, porém não têm caráter profissionalizante e, por isso, não substituem os que existem no mercado para formar mão-de-obra para trabalhar em áreas operacionais como restaurantes, hotelaria dentre outros segmentos do turismo[7].

O programa possui seus próprios livros didáticos, que são fornecidos, gratuitamente, ao município associado, e seus conteúdos são trabalhados durante as aulas do programa. O livro básico leva o mesmo nome do programa “Aprendiz de Turismo” é dividido em três capítulos, sendo estes: Viagens e Turismo; Cultura e Turismo e Geografia e Turismo. A necessidade de se criar um material próprio surgiu devido à inexistência de livros de turismo destinados aos jovens do ensino fundamental e médio, sendo a grande maioria dos livros de turismo direcionados ao ensino superior. A AVT-BR disponibiliza gratuitamente os materiais didáticos e todos são de uso exclusivo dos participantes associados.

Em suma, o que identificamos de comum nos programas nacionais destinados a promover a educação turística no Brasil é a utilização de materiais didáticos, cujos conteúdos e informações são questionáveis e tendenciosos, produzidos:

[...] dentro de uma filosofia puramente empresarial, nos moldes tecnicistas mais rudimentares (...) via de regra, apostilas desse tipo não discutem adequadamente a face perversa do turismo mal planejado, sobretudo a questão dos impactos socioambientais decorrentes do setor, quando praticado sem tomar devidas precauções (PORTUGUEZ, 2001, p.126).

O caráter cultural do turismo perde destaque em detrimento do enfoque econômico, sendo que defendemos o primeiro por aquele conceber o turismo de modo mais complexo, tendo maiores contribuições para a formação dos estudantes de educação básica.         O ensino do turismo pode ser desenvolvido de modo que os jovens ampliem o seu universo cultural, estimulando comportamentos responsáveis dos jovens em áreas turísticas, identificando os alunos também como potenciais turistas e não apenas como potenciais atendentes no setor de viagens e turismo. Insistimos nessa crítica referente à visão mercadológica dos programas, pois é uma posição que muitos governos adotam, no que se diz respeito às pessoas de classes econômicas mais debilitadas. Não podemos ignorar que o turismo é considerado como um fator de desenvolvimento econômico, mas, primeiramente, as propostas de educação turística inseridas na escola básica devem considerar a formação geral, perfil e idade dos educandos. 

Considerações finais

A proposta deste artigo foi a de esboçar uma reflexão teórica referente à educação em turismo, tendo em vista que este é uma nova área do conhecimento. A temática, como apresentamos, tem sido desenvolvida, principalmente, nos âmbitos de Ensinos Profissionalizantes, Tecnológicos e Superiores, já que são nestes âmbitos que formam profissionais para atuar no mercado.

Em contrapartida, preocupamo-nos em pensar a educação em turismo no âmbito da escola básica, pela educação formal; informal e não-formal, considerando todo este processo educativo como uma educação turística. Em outras palavras, esta específica educação é um recurso imprescindível para o desenvolvimento turístico de uma localidade de potencial turístico ou que já possui a titulação de estância turística. A educação turística tem o papel de difundir os conhecimentos de turismo numa localidade com o intuito de envolver seus munícipes com sua própria cultura e com o turismo, formando cidadãos responsáveis e protetores de seus patrimônios culturais (patrimônios históricos, culturais, intangíveis e naturais) além de bons anfitriões de visitantes e turistas.

Vale destacar que no âmbito da escola básica, mais especificamente no ensino fundamental e médio, os conhecimentos de turismo devem ter um caráter um pouco distinto dos de ensinos profissionalizantes, tecnológicos e superiores, já que a formação das crianças e adolescentes não visa, necessariamente, o futuro profissional, mas sim a ampliação dos conhecimentos, cultura e a visão do mundo. Acreditamos que o turismo é um conhecimento passível de suscitar efeitos positivos na formação dos jovens que não só serão futuramente bons anfitriões, mas também bons turistas. Consideramos estes como aqueles que viajam de maneira responsável, que possuem interesses sobre os atrativos e recursos turísticos da destinação visitada e que viajam com o intuito de ampliar seus conhecimentos tendo contato com a cultura local. 

A teoria de Krippendorf (2000) sobre a Escola do Turismo Humano é na verdade a construção de um novo paradigma da educação em turismo, visando formar profissionais éticos e honestos na elaboração e planejamento de produtos turísticos de qualidade e que não visam a exploração dos turistas. Esta mesma teoria se aplicada na escola básica, não visa formar jovens profissionais, mas estudantes “educados turisticamente”, no sentido de formar cidadãos que valorizam e protegem seus patrimônios culturais, informam e difundem a cultura local e, por isso, conseqüentemente, são bons anfitriões. E quando assumem o papel de turistas, são conscientes e responsáveis pelo ambiente visitado, possuem interesses em conhecer outras culturas e as respeitam como gostariam que a sua fosse respeitada.

Referências

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[1] Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e Bacharel em Turismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR. E-mail: arifonseca@usp.br

[2] Esses dois capítulos que o autor insere no referido livro são artigos apresentados por ele na mesa-redonda O turismo no ensino fundamental e médio, durante o I Encontro de Turismo com Base Local, em 1997.

[3] Alguns desses livros serão apresentados nos capítulos II e III.

[4] Referente ao desenvolvimento sustentável do turismo, Ruschmann (1997) explica que é uma prática que busca conciliar o equilíbrio entre interesses econômicos promovidos pelo turismo e o desenvolvimento da atividade responsável que preserve o meio ambiente. Seus objetivos são considerar a gestão de todos os ambientes, os recursos, as comunidades autóctones; atender necessidades econômicas, sociais, vivenciais e estéticas, visando garantir a integridade cultural e ecológica para o futuro.

[5]  Rebelo (1998), quando utiliza a expressão “contextualização do ensino” tem a intenção de dizer que o contexto vivido pelos alunos no município é levado em consideração e utilizado em sala de aula como um conteúdo, tema transversal ou mesmo disciplina escolar.

[6] A AVT-BR está vinculada a um programa global denominado de “Global Travel & Tourism Partnership - GTTP”, criado pela “American Express Foundation”, no ano de 1985, nos Estados Unidos, e hoje propagado para diversos países, dos quais citamos alguns como: África do Sul, Brasil, Canadá, China, Hungria, Jamaica, Rússia e outros. Porém no ano de 2005, a AVT-Br estabeleceu uma parceria com o Ministério do Turismo com a proposta de expandir suas ações no território nacional.

[7] Entrevista realizada em agosto de 2005, com a Profa. Dra. Regina Araújo Almeida, diretora nacional da AVT-Br (1995-2005).